skip to Main Content

Escrita acadêmica: três dicas pra encarar a jornada

Quem mexe com pesquisa sabe: não importa se você gosta ou não, se você sabe ou não, se você acha fácil ou difícil, escrever é preciso. Mais: no mundo acadêmico, é condição para a sobrevivência. Porque é publicando que a gente se comunica com a comunidade científica, testa nossas ideias, recebe críticas, refina o argumento, estica o currículo, ganha reputação, vai atrás de financiamentos, cria oportunidades. Só que escrever não precisa ser só sinônimo de sobreviver, nem muito menos de sofrer.

Além de um dever, a escrita acadêmica é uma jornada. E, como em toda jornada, tudo pode acontecer: a gente se atormenta, vem pressão, vem dúvida, vem medo… mas também vêm pequenos tesouros na forma de insights, de ideias amadurecidas, de ver materializado aquilo que antes só habitava nossa imaginação ou nossa memória.

E é querendo te encorajar nessa jornada que reúno, neste post, três pequenas reflexões sobre escrita e um brinde: para cada reflexão, uma dica de leitura que me inspira quando me vejo sendo levada pelas ondas de angústia. Vamos juntos?

Escrever é processo

A meta de um esforço de escrita acadêmica costuma ter um formato bem conhecido entre nós: um artigo, uma monografia, uma tese, um relatório, um livro, por exemplo. Mas esses são apenas o produto de uma longa sequência de etapas. Pense numa pesquisa: a gente lê a bibliografia sobre o tema, formula objetivos e hipóteses, desenha o projeto, escolhe métodos e técnicas, coleta, analisa e discute dados, chega a conclusões, provavelmente com várias idas e vindas. Um texto acadêmico costuma narrar exatamente esse percurso e, assim como a pesquisa, é feito aos poucos.

Por isso, não vale a pena se dedicar à redação mirando exclusivamente a entrega do texto-produto. Antes dele, há diálogos com a leitura, há uma fase de pré-escrita, há a redação, e há sucessivas revisões e edições. Nem os escritores mais experientes escrevem tudo numa sentada só, então não queira exigir isso de si mesmo.

Na maior parte do tempo, escrever é reescrever. Pense no produto como algo que nos espera lá na frente, uma espécie de alvo a ser alcançado, e confie no processo que vai levar você até ele.

“Se você começar a escrever numa fase inicial da pesquisa — antes de ter todos os seus dados, por exemplo —, isso lhe permitirá clarear mais cedo o pensamento. Ao redigir um rascunho sem os dados, fica mais claro o que você quer discutir e, portanto, quais dados terá de reunir. Assim, o ato de escrever pode moldar seu plano de pesquisa. É diferente da noção mais corrente de que primeiro você pesquisa e depois ‘escreve dando o fecho’.” [Howard Becker, Truques da escrita]

Escrever é pensar

Se você me disser que “já está tudo pronto aqui na minha cabeça, só falta escrever”, eu vou entender que você está praticando a ingenuidade. Sabe por quê? Porque é quando a gente se arrisca a escrever que a gente começa a ter dúvidas. O dever de confiabilidade na escrita acadêmica exige um cuidado com o que vai ser dito, e isso nos faz parar, ir atrás de uma informação, checar um dado, questionar o próprio argumento pra testar seus sentidos etc etc etc. E nesse exercício a gente refina nossas ideias, ou até mesmo muda de ideia.

Não vou mentir: pode acontecer de a gente se dar conta de que aquela elaboração que parecia tão genial na nossa mente, depois de colocada no papel, nem é tão incrível assim. Mas não desanime, porque pode vir o contrário também: no esforço de escrever, a gente ter sacadas, gerar ideias, descobrir caminhos que nem imaginou antes. Porque é escrevendo que a gente descobre o que quer dizer. Não gaste tanta energia pensando no que vai escrever. Escreva pra dar a si mesmo a oportunidade de pensar.

 

“Como muitos, eu poderia até mesmo defender que é a escrita que convoca, estimula e formaliza meu pensamento. Escrever para pensar, mais que pensar para escrever.” [Georges Picard, Todo mundo devia escrever: a escrita como disciplina de pensamento]

 

Escrever é questão de rotina

Temos muitas justificativas pra não escrever: “eu não sou bom nisso”, “estou esperando ter inspiração”, “preciso primeiro decidir o que quero dizer”, “ainda tenho que ler muitas coisas sobre o assunto antes”, e a top número 1 da balada: “eu não tenho tempo”. E nessa de esperar sobrar tempo a gente adora se iludir achando que vai escrever quando chegar o fim de semana, o feriado ou as férias. Não vai e não precisa ser assim.

Todos nós temos muita coisa pra fazer. Todos nós temos dificuldade em separar grandes blocos de tempo pra qualquer coisa. Só que esse pressuposto de que precisamos de muito tempo pra escrever é ruim. Ele gera ansiedade, estimula a culpa e não resolve o problema. Acredite: escrever tem muito mais a ver com se planejar, estabelecer objetivos, monitorar o processo, gerar recompensas para si mesmo, construir hábitos.

A gente não precisa de grandes blocos de tempo pra escrever. Dá pra escrever um bocado em pequenos períodos de 15 minutos, por exemplo. Simplesmente, “em vez de procurar tempo pra escrever, reserve um tempo pra escrever”, como recomendou o psicólogo Paul J. Silvia. Afinal, “o segredo é a regularidade, não o número de dias ou horas”. [Paul Silvia, How to write a lot: a practical guide to productive academic writing]

A jornada começa agora

Vamos começar esse processo de escrever e pensar agora mesmo. Por um momento, imagine sua semana: em que momentos você está livre? Quais deles você pode reservar pra escrever? Não precisam ser horas, nem precisa ser todo santo dia. Coloque esses pequenos períodos na sua agenda e comece por eles. Seja disciplinado em cumprir esse tempo, da mesma forma que você cumpre seus horários de trabalho, estudo ou atividade física. A recompensa vai vir rápido. É muito satisfatório ver as páginas sendo preenchidas, e isso, por si só, já nos estimula a escrever mais. E aí, vamos tentar?

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Back To Top